Laura Redfern Navarro
4 min readApr 5, 2023

Nos últimos meses, com a divulgação do projeto "O Corpo de Laura" a todo vapor, tenho encontrado pouco tempo para me dedicar à escrita de resenhas. Gosto de ter uma dedicação maior ao texto nessas produções, para assim traçar uma visão mais ampla das minhas leituras.

Pensando essa "defasagem", o @matryoshkabooks agora retorna, aos poucos, às produções sobre livros. Unindo meu antigo quadro de leituras do mês às resenhas tradicionais, passo a trazer (de forma trimestral) o Radar de Leituras. Uma espécie de atualização do que venho lendo, o Radar traz comentários mais amplos e intimistas sobre os livros que mais me impactaram ao longo do trimestre, mostrando, justamente, aquilo que está na minha antena, como o nome sugere.

📡 Radar de Leituras #01 — Janeiro, Fevereiro e Março de 2023:

📚 Jung e o Tarot, de Sallie Nichols, trad. Octavio Mendes Caiado (Editora Cultrix) — este foi o último título da minha #tbt de 2022, sendo um instrumento de pesquisa pessoal e, ao mesmo tempo, voltado a'O Corpo de Laura. Eu me interesso há algum tempo pelo tarot e pela astrologia como recurso literário, principalmente pela riqueza dos arquétipos e de sua associação com o onírico. Neste livro, Nichols analisa as cartas de tarot uma por uma a partir das teorias de Carl Jung, propondo um olhar amplo, mas embasado, sobre a prática.

📚Garotas em Tempos Suspensos, de Tamara Kamenszain, trad. Paloma Vidal (Círculo de Poemas) — Publicação em poesia da argentina, de quem já havia tido contato com alguns de seus ensaios, Garotas em Tempos Suspensos me chama a atenção por traçar as questões estruturais de gênero a partir da reflexão sobre a mulher-poeta (poetisa) de maneira inteligente e provocadora. É o tipo de livro que se aproxima muito do que busco na escrita, e a voz de Kamenszain é realmente singular, colocando também o humor como mecanismo de confronto político. Para quem já vem acostumado aos ensaios ou à outras produções da autora, é possível enxergar os eixos temáticos e estilísticos que inquietam Kamenszain, localizando-a como uma autora que possui um projeto estético e poético bem afinado e amadurecido.

📚Falas Curtas, de Anne Carson, trad. Laura Erber e Sergio Flaksman (Relicário Edições)— Recomendação de um amigo, Falas Curtas é mais uma das traduções brasileiras da poeta, ensaísta e professora canadense Anne Carson, cujo trabalho vem, cada vez mais, ganhando notoriedade. Mantendo o estilo da autora, marcado pela hibridez, os textos de Falas Curtas podem ser lidos como reflexões contemplativas de Carson sobre uma gama diversa de assuntos, em que tanto a verve poética quando a escrita ensaísta insurgem de maneira muito bem arrematada. O que mais gosto no livro são as imagens inventivas e pungentes que Carson evoca em seus textos.

📚Atlântida, de Tal Nitzán, trad. Moacir Amâncio, de Luiz Gustavo Carvalho, de Flávio Brito, de Luca Argel, de Maria João Cantinho, de Maria Teresa Mota e de Guilherme Gontijo Flores e Tal Nitzán (Ars e Vita)- livro de poemas da escritora, tradutora e editora isralense Tal Nitzán, Atlântida se apropria da metáfora da cidade submersa e em ruínas para falar do conflito Palestina-Israel, ou, melhor, da vivência em meio a ele. Em textos cortantes, Nitzán perpassa os atravessamentos políticos e subjetivos da questão, evidenciando sua complexidade a partir de um olhar sensível.

📚Voz: Impressão do Corpo, org. Camilo Gomide e Leopoldo Cavalcante (Aboio Editora) — primeira publicação impressa da já consolidada revista Aboio, a revista conta com textos em prosa, poesia, artes visuais, e, até mesmo, uma entrevista inédita com o escritor Jefferson Tenório. Todas as produções que constam foram fruto de extensa curadoria pelo editor da Aboio, Leopoldo Cavalcante, e Camilo Gomide, a partir do eixo temático voz e corporeidade. A revista chama a atenção por seu cuidado gráfico e pela pertinente seleção, que traz uma mescla de artistas já consolidados e outros menos conhecidos. Nesta edição, você encontrará produções de Carlos Orfeu, Dheyne de Souza e Marcvs.

📚Alalázô, de Pedro Torreão (Aboio Editora) — segundo livro de poemas do sociólogo e escritor pernambucano Pedro Torreão, Alalázô surpreende já pelo título, palavra grega para "grito". A partir deste eixo, Torreão explora o grito em sua visceralidade, investigando, por exemplo, a anatomia da boca, da garganta; a memória da fala e o não-dito. Desta forma, Alalázô também me remete às imperfeições do corpo que Samara Belchior aborda em Bruxismo & Outras Automutilações — um diálogo que, particularmente, muito me agrada. O livro conta com um interessante projeto gráfico, em que o título aparece tanto na capa quanto na quarta-capa em sua grafia original (em grego) e no alfabeto latino. Alalázô tem arte de capa realizada por Marcvs.

📚Noite de São João, de Natália Agra (Corsário-Satã)- a partir da evocação, pelo título e pela capa, da imagem de uma fogueira, Natália Agra se debruça sobre temas como memória e luto. Com epígrafes destinadas a parentes, amigos ou pessoas do convívio próximo de Agra, a autora tensiona a discussão acerca da escrita confessional, evidenciando uma poesia amadurecida, com um trabalho complexo e muito bem arrematado da linguagem.

📚 Pequena Anatomia da Imagem, de Hans Bellmer, trad. Graziela Dantas e Marcus Rogério Salgado (Editora 100/Cabeças) — livro que caiu em minhas mãos durante a elaboração da plaquete O Corpo de Laura, onde me vi fascinada pela ideia do manequim, Pequena Anatomia da Imagem explora os tensionamentos subjetivos do corpo a partir dos devaneios e das projeções de nossas próprias percepções — seja na autoimagem, seja na imagem do outro, seja na imagem do mundo. Vale lembrar que Hans Bellmer elaborou, em vida, um interessante trabalho como artista visual partindo, justamente, dos tensionamentos corpóreos e imaginários. O projeto gráfico, com capa dura em tons de rosa-choque e preto, também casa com a experiência tanto artística quanto ensaística de leitura.

E você? Qual o seu radar de leituras para esse primeiro trimestre de 2023? 📡

Laura Redfern Navarro

2000. Aquariana, poeta e jornalista. Escrevo sobre livros, mulheres e escrita criativa. Sou autora de "O Corpo de Laura" (2023), projeto vencedor do ProAC 2022.